Inocentes úteis
É necessário termos a clareza de que
o movimento socialista, depois de sucessivas derrotas, experimenta, hoje, o seu
momento de mais aguda prostração. Mas não basta reconhecer esse fato, o que por
si, já seria uma grande coisa. É necessário aclarar as causas que motivaram a
se chegar a esse estado de derrota, lembrando que todo esse processo se inicia nos
anos 1912/13, quando o imperialismo conseguiu dobrar os partidos operários, impondo a bandeira da “defesa da pátria” e convertendo
esses partidos em agremiações social-patriotas.
Seguiram-se alguns embates e houve
um momento de esperança quando a insurreição socialista na Rússia tornou-se
vitoriosa em outubro de 1917. Mas essa vitória trazia consigo um destino
inevitável: caso a revolução não avançasse na Europa ocidental, ela sucumbiria.
Foi exatamente isso o que se deu e, a partir daí, emergiu a forma mais perversa
da contrarrevolução, o stalinismo.
Diz um adágio popular que o pior
inimigo é o falso amigo. O stalinismo, usando o nome de comunista e o carimbo
de “marxista-leninista”, logrou desempenhar o triste papel de linha auxiliar na
manutenção do capitalismo. Através da Terceira Internacional, esse trabalho
contrarrevolucionário foi possível de acontecer em escala mundial.
Moscou se autoproclamou “pátria mãe
do socialismo” e passou a implementar uma política que tinha, como princípio,
resguardar os interesses do Estado soviético a qualquer custo, isto mesmo, a
qualquer custo, mesmo que ele representasse a inviabilização da revolução
mundial, como veio ocorrer.
Milhares de pessoas, convertidas aos
partidos comunistas, passaram a acreditar no fraudulento discurso de que
existiam dois mundos ou dois sistemas socioeconômicos concorrentes: de um lado,
o capitalismo decadente e, do outro, o socialismo ascendente. Diante dessa
dualidade, os devotos dos partidos comunistas, a maioria deles, dotados da mais
extrema boa fé, tornaram-se inocentes
úteis aos interesses dos burocratas
soviéticos, travestidos de comunistas.
Inocentes, extremamente crédulos,
sempre capazes de sacrificar suas liberdades, quando não a própria vida, em
nome da defesa intransigente da “pátria mãe do socialismo”, eles se fizeram
presentes em todo o recanto do mundo e praticaram a mais ferrenha disciplina,
sempre dispostos a obedecer piamente os mandos de Moscou, com muito mais fervor
e credulidade do que os católicos seriam capazes de seguir as diretrizes do
Vaticano.
Há um equívoco recorrente em se
imaginar que o oposto ao stalinismo é o trotskismo. Isso não passa de um deplorável
engano. O stalinismo, esse filho direto e operador da contrarrevolução,
apresenta-se em várias roupagens, como temos insistentemente repetido. Existe o
stalinismo ortodoxo, o stalinismo de bigode; existe ele na sua feição maoísta;
existe o kruchevismo; o fidelismo; e, inequivocamente acentuado, o
stalinismo-trotskista. Todos esses segmentos contribuíram ou contribuem, de uma
forma ou de outra, para a manutenção do sistema capitalista. Não fosse assim,
como se explicaria que um sistema socioeconômico, completamente esgotado, sem
nenhuma chance de apresentar o mínimo de esperança para as massas
trabalhadoras, mergulhado na UTI da História, poderia exibir tanta força
política, não fosse o papel contrarrevolucionário do “marxismo-leninismo” ou do
“marxismo-leninismo-trotskismo”?
Qual resposta daríamos a essa
questão, senão reconhecer que a sobrevivência do sistema socioeconômico vigente
só tem sido possível através da combinação entre a direita explícita, ou seja, aquela representada pela burguesia
imperialista e a contrarrevolução de
caráter stalinista?
Estamos suscitando uma verdade que
pode parecer herética mas, lembremos que heresia foi a teoria da evolução
natural da espécie; heresia foi a afirmação de Galileu, quando anunciou que a
Terra se movia; heresia foi a afirmação de Marx, quando promoveu a ruptura com
a filosofia idealista e anunciou o materialismo dialético; e, acrescente-se, hereges
foram Giordano Bruno, Copérnico, Laplace e tantos outros que tiveram o papel de
desvendar mistérios, afrontando o reino oficial e oficioso da mentira.
Coloquemos os preconceitos e a
credulidade beata e acrítica de lado e nos lancemos ao debate livre e franco,
pois só assim, haveremos de romper o círculo de ferro da mentira que nos mantêm
presos aos grilhões da ignorância que nos é imposta. Só a verdade é
revolucionária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário