PCB
e PCdoB
Os
companheiros Igor Grabois e Edmilson Costa elaboraram um longo artigo
procurando estabelecer as diferenças entre essas duas agremiações políticas:
PCB e PCdoB. Infelizmente, o referido escrito aborda a questão por um viés
completamente equivocado. Para tornar os fatos às claras, recorramos à
história, sem distorcê-la, sem falseá-la.
Os
movimentos socialistas, ou seja, os movimentos operários, de natureza
explicitamente anticapitalista, inicia-se no Brasil, em fins do século XIX e
começo do século XX pelas mãos dos imigrantes italianos, espanhóis e
portugueses que trazem em suas bagagens uma significativa literatura
anticapitalista.
São
eles, rigorosamente, que organizam uma imprensa proletária de peso, ao mesmo
tempo em que organizam sindicatos e promovem sucessivas greves, particularmente,
no eixo Rio/São Paulo.
Só,
posteriormente, com a vitória da Revolução Russa, em 1917, é que autores
socialistas distintos, como Marx, Lenin, Trotsky, e outros mais, passam a ser
conhecidos dos referidos militantes, até então chamados de anarquistas, cuja
leitura estava voltada para as obras de Proudhon, Bakunine e outros pré- maxistas.
Alguns desses militantes, após um processo de leitura e debates, aderiram à
nova corrente socialista chamada de marxista.
Em
março de 1922 foi fundado o Partido Comunista do Brasil, através de um
congresso onde participaram 09 delegados, representando setenta comunistas de
todo o país. Os fundadores, atendendo ao chamamento da recém-criada Terceira
Internacional Comunista e acatando as 21 condições impostas para a adesão a
essa nova organização política de caráter mundial, apressam-se em formalizar o
PCdoB.
Esse
partido, em 1922, era claramente anticapitalista. Ostentava a bandeira vermelha
e tinha, no hino da Internacional, o seu canto de guerra. Mesmo assim, não
deixou de praticar a intolerância movendo uma sinistra campanha caluniosa
contra um militante dissidente brasileiro, que teve a suprema audácia de
apartear o então todo poderoso Leon Trotsky. Esse triste episódio é fartamente
retratado no livro “Um cadáver ao sol”, que discorre sobre o drama vivido por
Bernardo Canela, e que já era um sinal explícito do stalinismo em gestação, que
não tolerava qualquer tipo de dissidência. Mesmo com algumas distorções, o
PCdoB de então, se mantinha dentro de uma postura revolucionária. Mas, com a
vitória da contrarrevolução, em escala mundial, a URSS, então autoproclamada
“Pátria mãe do socialismo”, sucumbiu diante dos fatos, para inspirar uma
política de conteúdo social patriota ou nacional reformista, e isto se
consolida no 6º Congresso da Terceira Internacional, acontecido em meados de
1928.
A
partir daí, dá-se uma completa virada para a direita. A bandeira vermelha é
substituída pela bandeira verde e amarelo; o hino da Internacional é
substituído pelo Hino Nacional ou o Hino da Independência, para os mais
“radicais”, sobretudo em seu verso: “Ou ficar a Pátria livre, ou morrer pelo
Brasil”.
A proposta socialista foi
atirada aos ventos. Assumiu-se a tese da revolução democrática burguesa em
torno de um elenco de reformas e da reivindicação por soberania nacional,
reivindicação inexequível diante do caráter global do imperialismo.
O PCdoB, apesar do rótulo,
deixou de ser realmente comunista para se tornar uma corrente política de
sustentação do capitalismo, seguindo, assim, os interesses mesquinhos de
Moscou.
Isso não se deu, porém,
apenas em nível de Brasil. A guinada para a direita, a capitulação, deu-se em
escala mundial, e a Terceira Internacional foi convertida em linha auxiliar de
manutenção do capitalismo de Estado na URSS. É oportuno, entretanto, ressaltar
que essa virada à direita não aconteceu sem um crucial embate. Pelo contrário,
muito sangue foi derramado antes que houvesse a completa capitulação.
Vitoriosa a contrarrevolução
na URSS, o nível teórico foi rebaixado ao rés do chão. Através da Academia de
Ciências promoveu-se um verdadeiro estupro político/ideológico sob o carimbo do
maxismo-leninismo. A contradição entre classe opressora versus classe oprimida
deu lugar à contradição, nação opressora versus nação oprimida, que se tornou a
questão central, o móvel de toda a ação política.
A URSS, autoproclamada
Pátria-mãe do socialismo, como já foi dito, e a Terceira Internacional
Comunista, que houvera sido criada com o propósito de reanimar a revolução
mundial, foi transformada em instrumento de defesa dos interesses estritamente soviéticos,
a qualquer custo, e isso foi feito com o sacrifício do avanço revolucionário.
Os partidos filiados à
Terceira Internacional interpretavam o papel de sucursais de Moscou, a partir
de suas ações subalternas. O grande ideal dos burocratas de Moscou, que
detinham o poder de Estado, através do partido único e ultracentralizado, se
consubstanciava num pretenso congelamento da história com o mundo dividido em
áreas de influência, dentro de uma hipotética divisão entre dois blocos: um
mundo capitalista decadente e um mundo socialista ascendente, e isso não
passava de uma tremenda mentira que alguns insistiam, e ainda insistem, em
mantê-la, por desinformação ou má fé.
Os interesses de Estado
estavam acima de tudo e é, em nível dele, que se perpetraram severas ações
contrarrevolucionárias ao redor do mundo, valendo ressaltar dois dolorosíssimos
episódios. O primeiro, foi o papel que jogou Moscou para permitir o triunfo do
fascismo franquista durante a guerra civil naquele país. O outro triste fato
foi a política da Terceira Internacional diante da ascensão do nazismo na
Alemanha, que culminou com um pacto de não agressão, firmado pelos governos de
Hitler e Stalin.
Contra o nazifascismo
ergueu-se o imperialismo democrático representado pela Inglaterra, Estados
Unidos e a França, no exílio. Depois que a Alemanha quebrou o pacto de não
agressão e invadiu a URSS, é que Stalin se viu na contingência de enfrentar os
agressores levantando, não a bandeira do socialismo, mas a bandeira da “grande
guerra patriótica”.
Posteriormente, por força
das contradições impostas pela realidade objetiva, “o bloco socialista” passou
a sofrer fissuras políticas. De um lado emergiu o kruchevismo propondo a
coexistência pacífica e o caminho gradualista e institucional para se chegar ao
poder. Era a esdrúxula tese do caminho pacífico para o socialismo que fez
jorrar muito mais sangue do que os conflitos insurrecionais.
Contra essa tese kruchevista
brotou, com ímpeto, o discurso da luta armada, patrocinado pela China, sufocada
em suas gritantes dificuldades.
De repente, passam a existir duas correntes de um suposto movimento comunista internacional. Os kruchevistas, tachados de revisionistas, e os maoístas, tidos como revolucionários, embora não restabelecessem o discurso da luta de classe e, sim, o conceito de libertação nacional, a partir da insurreição do campo cercando a cidade, da periferia cercando o centro vital do capitalismo.
Essa disputa, de caráter tão raso, passou a marcar a ”esquerda stalinista” amplamente hegemônica e foi por aí que se deu a dissidência no velho PCB, renascendo, então, a sigla PCdoB, encarnando uma posição que se apresentava como revolucionária, na medida em que o conceito de revolução ficou reduzido ao uso ou não das armas.
É claro que o PCdoB descambou, hoje, para o mais sórdido fisiologismo, vendendo seu trabalho aos interesses do capitalismo no Brasil. Porém, o velho PCB, apesar de uma autocrítica parcial, apesar de se assumir anticapitalista, o que é um grande avanço, nega-se em pôr o dedo na ferida. O velho PCB não reabre a discussão sobre o conceito leninista de partido. Pior ainda, não põe em discussão as nefastas resoluções do X Congresso do PC Russo, acontecido em 1921. Na verdade, em matéria de autocrítica, o PCB faz uma “meia sola” e não vai ao centro da questão, assim como a dissidência trotskista da Terceira Internacional não avançou no sentido de romper os laços com os reais fundamentos do stalinismo como são: o ultracentralismo; o monolitismo; o conceito de partido da revolução, e outros tantos equívocos.
Frutos do mesmo ventre, PCB, PCdoB e o trotskismo compõem uma esquerda que, de formas diferentes, entretanto convergentes, contribuíram e contribuem, na essência, para a sobrevivência de um capitalismo exaurido, mas gozando de ampla hegemonia política. Em razão disso é que, há muitos anos, estamos clamando pela necessidade de uma outra esquerda, cuja matriz seja o explícito anticapitalismo e o expurgo radical e todas as formas de stalinismo, restabelecendo-se o livre debate.
Prezado Gilvan, gostei bastante da panorâmica que você fez da chegada e desenvolvimento das ideias socialistas no Brasil, mas discordo totalmente da conclusão, que levada a ferro e fogo contradiz frontalmente o conceito de liberdade individual. Gostaria de sugerir um artigo meu que faz o contraponto com o seu: http://questoesrelevantes.wordpress.com/2014/02/09/liberdade-democracia-e-marxismo-estranho-fetiche/
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