sexta-feira, 23 de maio de 2014

Caro Paulo Roberto Pinto





Caro Paulo Roberto Pinto

                                                                                              Gilvan Rocha (*)

       Realmente, você diz algumas verdades, porém fora de lugar. Tratemos das questões por você levantadas. É verdade que a desigualdade social é bem anterior ao capitalismo. A história da humanidade tem cerca de duzentos mil anos de existência e a desigualdade social tem apenas doze mil anos; ou seja, trata-se de um fenômeno relativamente recente. Vale deixar claro que essa desigualdade foi produto do surgimento da propriedade privada dos meios de produção e que teve, no escravismo, a sua manifestação mais cruel e mais duradoura, pois existiu durante cerca de seis mil anos.
       Assim sendo, é verdade que o capitalismo é um sistema socioeconômico bastante novo. Também é verdade que esse sistema teve um longo processo de maturação. Houve o capitalismo mercantilista, que existiu no seio da própria ordem feudal e com ela conviveu por longos e atribulados anos.
       O surgimento e o crescimento das manufaturas, o alargamento do mercado, a descoberta do novo mundo e do caminho marítimo para o Oriente, somados a outros fatores, tornaram o capitalismo dotado da robustez necessária para que empreendesse revoluções vitoriosas.
       A primeira revolução burguesa aconteceu em 1609, na Holanda, por ocasião da guerra de libertação holandesa do jugo do absolutismo feudal espanhol. A esse episódio seguiu-se, em 1645, a guerra civil na Inglaterra, quando a burguesia ascendente travou sua luta contra o feudalismo representado pelo rei Carlos I e logrou a vitória. A rigor, até se poderia dizer que a primeira revolução burguesa deu-se na Inglaterra e ela trouxe consigo um surto de crescimento econômico nunca dantes imaginado. Mas não foi somente no terreno da economia que as revoluções burguesas se mostraram progressistas, avançadas. Grande foi o legado político no quesito das liberdades democráticas.
       Depois desse fato histórico, houve uma generosa e rica literatura em torno da proposta de uma sociedade capitalista que rompesse, radicalmente, com as amarras do atraso feudal. Foi aí que desabrocharam os iluministas, cabendo destaque para as figuras de Voltaire, Rousseau, Montesquieu e Diderot. Essa literatura contribuiu, de forma inquestionável, para a consolidação de uma proposta eminentemente democrática. A instituição do direito de ir e vir, o voto universal e secreto, o direito à livre opinião e organização, entre outros ganhos, tornaram-se as maiores conquistas desse processo.
       Aconteceu, entretanto, meu caro Roberto Pinto, que o capitalismo progressista, revolucionário, depois de cumprir diversas etapas, entrou em um processo natural de exaustão. Dito, em outras palavras, de revolucionário o capitalismo tornou-se anti-histórico, anacrônico.
       Quando, em 1912/13, deu-se o grande embate político entre o capitalismo, em sua fase imperialista, e as forças do socialismo em torno da questão da guerra, aconteceu que a política de defesa da pátria ou defesa nacional conseguiu triunfar, derrotando a premissa internacionalista e revolucionária do socialismo. Isso quer dizer, meu caro, que naquela ocasião iniciou-se um processo de confronto entre os conservadores do capitalismo e os revolucionários socialistas. O resultado final desse embate, para pesar da humanidade, é que se deu a vitória plena da contrarrevolução imperialista. Mas houve um certo surto de esperança em reverter esse quadro de derrota, a partir da revolução bolchevique de 1917. Essa possibilidade não aconteceu e a contrarrevolução se consolidou, estendendo suas garras para o interior da URSS.
       O trágico de tudo isso é que, sobre os escombros da velha Rússia feudal, erigiu-se o capitalismo de Estado, sob o rótulo do comunismo, o que representou e representa um profundo prejuízo para a causa libertária da humanidade. A construção do capitalismo de Estado, numa Rússia arruinada, se deu através de um alto custo político e social. Revogaram-se, ali, todas as conquistas democráticas burguesas e se estabeleceu um Estado autoritário e extremamente policial. Estabeleceu-se, ali, o discurso único, a imprensa única, o partido único, enquanto cresciam os campos de concentração, as execuções sumárias e o os julgamentos fraudulentos. Não bastassem tantos crimes cometidos em nome do comunismo e do socialismo, a construção do capitalismo de Estado promoveu, também, as maiores agressões ao meio ambiente.
       Hoje, vivemos um quadro alarmante. De um lado, um sistema completamente esgotado, vivendo sucessivas crises econômicas e financeiras, sem nenhuma possibilidade de oferecer esperanças de que as inúmeras mazelas sociais sejam resolvidas; entretanto, gozando de uma quase absoluta hegemonia política. Por outro lado, uma autoproclamada esquerda, assumindo-se “marxista-leninista” e “marxista-leninista-trotskista”, completamente falida, enquanto o socialismo revolucionário encontra-se acuado em pequenos guetos.
       Essas questões devem ser refletidas sem rancor e sem a intolerância própria dos beatos, dos crédulos acríticos. Somente, através do livre debate, é que poderemos chegar à verdade histórica, e ela se faz sumamente necessária.

Abraços,


Gilvan Rocha (*)
                                  Presidente do CAEP -      
Centro de Atividades e Estudos Políticos


Fortaleza, 21 de maio de 2014.

Um comentário:

  1. Acredito que Gilvan Rocha tem razão parcial nesta análise. Os dois pontos críticos, para mim, são a conclusão de que o capitalismo esgotou-se (que é apenas torcida, e não um fato) e a miragem de um socialismo com liberdade. Embora não se possa atribuir a Gilvan Rocha a inocência da juventude, lembrei-me deste artigo que oferece um contraponto adequado aqui: LIBERDADE, DEMOCRACIA E MARXISMO: ESTRANHO FETICHE.
    http://questoesrelevantes.wordpress.com/2014/02/09/liberdade-democracia-e-marxismo-estranho-fetiche/

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