Nada pessoal
As
diferentes escolas stalinistas produzem severas distorções tanto conceituais
quanto de comportamento. Vamos à raiz da questão: quando da vitória da
contrarrevolução em escala mundial, na década de vinte do século passado,
ocorreu um fato de graves consequências. Depois de uma renhida disputa entre
revolução e contrarrevolução, no interior da URSS, esta última conseguiu se
consolidar e ocorreu que a URSS, contrarrevolucionária, se autoproclamou a “pátria-mãe”
do socialismo e o Partido Comunista russo apresentou-se como legítimo herdeiro da
revolução e representante único do povo. A partir dessa falsa premissa,
construiu-se o seguinte raciocínio: quem criticasse ou se opusesse aos
“senhores da causa socialista” era apontado como agente do inimigo e traidor do
“povo”.
Os
agrupamentos de matriz stalinista passaram a se considerar como “o povo eleito
de Deus” e todos aqueles que se opusessem aos seus interesses eram considerados
infiéis e, por isso, mereceriam ser abatidos a ferro e fogo. Os dissidentes não
eram considerados adversários e, sim, ferrenhos inimigos. Essa cultura, nascida
no seio da revolução russa derrotada, foi cultivada abusivamente por todos
esses últimos noventa anos e essa prática é corriqueira entre as agremiações
stalinistas, sejam elas ortodoxas ou maoísta, fidelista, kruchevista e,
sobretudo, trotskista.
Não
compreendem os mais devotados e fiéis seguidores dessas seitas que as críticas apontadas
contra o stalinismo e as que são feitas em relação aos fatos históricos nada
têm de pessoal. Não compreendem que, do ponto de vista pessoal, reconhecemos
pessoas de boa fé entre os que seguem os mais diversos credos. Reconhecemos que
a legião de seguidores da Igreja Universal é povoada, maciçamente, por gente
possuída de indiscutíveis boas intensões. Dessa mesma forma, atribuímos
qualidades morais aos beatos acríticos que se contentam com o carimbo do
“marxismo-leninismo” e do “marxismo-leninismo-trotskismo”. Portanto, as
críticas feitas não têm nenhum caráter pessoal e nos entristece o fato de que
alguns companheiros dessa presumida esquerda, não entendam as coisas dessa
forma e tenham um tratamento hostil, quando não evidentemente mal educado, no
trato com os que pensam diferente.
Essa
conduta, eivada de intolerância, prejudica o livre debate e, consequentemente,
a elucidação dos “enigmas” políticos e históricos. Seria de bom grado uma
mudança radical desse comportamento e, ao invés do rancor, da fúria, houvesse o
propósito de submeter os conceitos à discussão, de forma livre e fraterna.
É
evidente que, enquanto a grande massa dos credos é formada por pessoas bem
intencionadas, existe uma ínfima minoria que deve ser denunciada em função do
seu caráter desonesto e oportunista. Por exemplo: a distorção havida na
Terceira Internacional, quando esse organismo político foi transformado na
grande multinacional da contrarrevolução, por trás disso existiam aqueles que,
conscientemente, sacrificavam os interesses do socialismo em função dos
interesses mesquinhos do capitalismo de Estado que se processava na URSS, e
tudo isso era e continua sendo feito em nome do “marxismo-leninismo”.
Quanto
ao trotskismo, ele se restringiu em ser uma dissidência da Terceira
Internacional. Entretanto, encampou todos os elementos do stalinismo. Não
reconheceu a derrota, não denunciou com a devida veemência as resoluções do X
Congresso do PC russo, de 1921, não se opôs ao monolitismo e não teve, como não
tem, pejo em praticar a calúnia e outros expedientes desprezíveis no processo
de suas disputas políticas.
Enfim,
vale dizer que todas essas questões não podem ser vistas como de ordem pessoal
e, sim, como estritamente de caráter político-ideológico e sempre sujeitas a
contestações. Somente por essa via haveremos de ter uma outra esquerda provida
do conhecimento e de uma prática que se preste a colaborar efetivamente com o
processo revolucionário e não o que sempre se fez, ou seja, tudo que contribuiu
e contribui para a sobrevivência do capitalismo, hoje gozando de uma suprema
liderança política sobre o mundo, embora vivendo sucessivas crises de caráter
econômico e financeiro.
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