quarta-feira, 18 de junho de 2014

Democracia burguesa



Democracia burguesa

Um dos grandes legados históricos deixados pelas revoluções burguesas foi a democracia política. Tal fato, a implantação de amplas liberdades, não provinha de um gesto magnânimo ou de um gesto maquiavélico da burguesia ascendente. Amplas liberdades eram necessárias para que a nova ordem, a ordem capitalista, pudesse se realizar de forma plena, sem as amarras da velha ordem feudal. A democracia política, decorrente das revoluções burguesas, não foi renegada pelos socialistas revolucionários da estirpe de Marx, Engels, Rosa, Martov, Plekhanov, Lenin, Trotsky, Franz Mehring e alguns outros. Não. A democracia política, como legado histórico, foi cultivada pelas hostes socialistas, mas os socialistas deixaram bastante claro que, aos trabalhadores, não convinha apenas a democracia política; necessária era a conquista da democracia social (social democracia).
É indizível a influência positiva que tiveram, mundo afora, as revoluções burguesas, particularmente a Revolução Francesa, com ênfase para os iluministas, pois inspiraram todo o movimento progressista que se dera naquela época. Para citar poucos casos, basta que nos lembremos dos conspiradores decembristas de 1825 que, inspirados na Revolução Francesa, tramaram um golpe de força contra o tzarismo. Os casos são múltiplos, ressaltando-se os nossos conspiradores mineiros que, espelhados na literatura progressista da França, levaram avante um plano cujo propósito seria, dentre outros, a Proclamação da República e teve, como figura de destaque, o mártir Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Outro exemplo histórico, de profunda significação, foram os “jacobinos negros”, no Haiti, quando, libertando-se do colonialismo, tentaram estreitar os seus laços com o que havia de mais progressista na história daquele momento, a Revolução Francesa.
Em razão da indiscutível força moral e política do processo revolucionário burguês, que pôs por terra o velho feudalismo, é que toda a sua herança no quesito democracia política foi incorporada ao pensar socialista. Para tragédia da humanidade, a revolução socialista, derrotada na década de vinte do século passado, produziu uma inominável extravagância histórica, quando a plena vitória da contrarrevolução em escala mundial levou a que a revolução socialista, na URSS, fosse completamente inviabilizada, instalando-se, ali, a contrarrevolução, assumindo a denominação de stalinismo.
A Rússia, país retardatário, semifeudal, não somava as condições objetivas, por si só, para permitir o avanço de um projeto socialista. Ali, a revolução socialista só poderia ter progresso caso acoplada ao sucesso revolucionário na Europa Ocidental.
Já em 1919, Lenin dizia: Ou a revolução socialista avança no Ocidente, ou pereceremos. A revolução não avançou e a URSS pereceu, enquanto projeto socialista. Por amarga ironia da história, coube à URSS cumprir as tarefas próprias da revolução burguesa. Dizendo melhor, coube à URSS construir o capitalismo de Estado. Isso teria menores danos caso a derrota fosse assumida e se reconhecesse o triunfo das forças imperialistas. Ao invés disso, o capitalismo de Estado, a contrarrevolução, foi tocada sob o carimbo do socialismo e do comunismo.
Mas o que de fato ocorreu? As conquistas democráticas, legadas pelas revoluções burguesas, como o voto universal e secreto; o direito de ir e vir; a liberdade de opinião e de organização; assim como, no campo jurídico, a premissa de que cabe a quem acusa o ônus da prova; ninguém é considerado culpado até prova em contrário; ninguém deve ser preso senão por ordem judicial ou flagrante delito; ninguém deve permanecer preso sem culpa formada, e outras tantas conquistas, foram plenamente revogadas e isso tem um nome, totalitarismo, ou melhor, fascismo, e ele veio se dar justamente onde se pretendia ter havido uma revolução socialista. Ora, como nos dizia Rosa Luxemburgo: Pode haver liberdade política sem socialismo; porém, não pode haver socialismo sem liberdade política. Isso deixa bem claro que, na URSS, “pátria-mãe do socialismo” não existiu outra coisa senão o totalitarismo e aqui cabe-nos afirmar que uma pretendida democracia proletária só existiu em pequenos lapsos de tempo. Regra geral, o que se viu e o que se vê é o exercício político do totalitarismo, a negação completa da democracia.
Assim sendo, para infelicidade nossa só temos a democracia burguesa, pois inexiste a democracia proletária, seja nos países indevidamente ditos socialistas, seja nos partidos e movimentos que se autoproclamam “marxistas-leninistas” ou “marxistas-leninistas-trotskistas”. Os verdadeiros socialistas não se propuseram em revogar o legado político das revoluções burguesas; se propuseram, sim, a superar a democracia burguesa, através de um patamar superior que combinasse a liberdade política com a democracia social. Portanto, é uma aberração se pretender denunciar a democracia burguesa, contrapondo-a o totalitarismo representado pelo partido único, o discurso único, a imprensa única e outros componentes da supressão completa das liberdades.

Nenhum comentário:

Postar um comentário