Democracia
burguesa
Um
dos grandes legados históricos deixados pelas revoluções burguesas foi a
democracia política. Tal fato, a implantação de amplas liberdades, não provinha
de um gesto magnânimo ou de um gesto maquiavélico da burguesia ascendente.
Amplas liberdades eram necessárias para que a nova ordem, a ordem capitalista,
pudesse se realizar de forma plena, sem as amarras da velha ordem feudal. A
democracia política, decorrente das revoluções burguesas, não foi renegada
pelos socialistas revolucionários da estirpe de Marx, Engels, Rosa, Martov, Plekhanov,
Lenin, Trotsky, Franz
Mehring e
alguns outros. Não. A democracia política, como legado histórico, foi cultivada
pelas hostes socialistas, mas os socialistas deixaram bastante claro que, aos
trabalhadores, não convinha apenas a
democracia política; necessária era a conquista da democracia social (social
democracia).
É
indizível a influência positiva que tiveram, mundo afora, as revoluções
burguesas, particularmente a Revolução Francesa, com ênfase para os
iluministas, pois inspiraram todo o movimento progressista que se dera naquela
época. Para citar poucos casos, basta que nos lembremos dos conspiradores
decembristas de 1825 que, inspirados na Revolução Francesa, tramaram um golpe
de força contra o tzarismo. Os casos são múltiplos, ressaltando-se os nossos
conspiradores mineiros que, espelhados na literatura progressista da França,
levaram avante um plano cujo propósito seria, dentre outros, a Proclamação da República
e teve, como figura de destaque, o mártir Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes. Outro exemplo histórico, de profunda significação, foram os
“jacobinos negros”, no Haiti, quando, libertando-se do colonialismo, tentaram estreitar
os seus laços com o que havia de mais progressista na história daquele momento,
a Revolução Francesa.
Em
razão da indiscutível força moral e política do processo revolucionário burguês,
que pôs por terra o velho feudalismo, é que toda a sua herança no quesito
democracia política foi incorporada ao pensar socialista. Para tragédia da
humanidade, a revolução socialista, derrotada na década de vinte do século
passado, produziu uma inominável extravagância histórica, quando a plena
vitória da contrarrevolução em escala mundial levou a que a revolução
socialista, na URSS, fosse completamente inviabilizada, instalando-se, ali, a
contrarrevolução, assumindo a denominação de stalinismo.
A
Rússia, país retardatário, semifeudal, não somava as condições objetivas, por
si só, para permitir o avanço de um projeto socialista. Ali, a revolução
socialista só poderia ter progresso caso acoplada ao sucesso revolucionário na
Europa Ocidental.
Já
em 1919, Lenin dizia: Ou a revolução socialista avança no Ocidente, ou
pereceremos. A revolução não avançou e a URSS pereceu, enquanto projeto
socialista. Por amarga ironia da história, coube à URSS cumprir as tarefas
próprias da revolução burguesa. Dizendo melhor, coube à URSS construir o
capitalismo de Estado. Isso teria menores danos caso a derrota fosse assumida e
se reconhecesse o triunfo das forças imperialistas. Ao invés disso, o
capitalismo de Estado, a contrarrevolução, foi tocada sob o carimbo do
socialismo e do comunismo.
Mas
o que de fato ocorreu? As conquistas democráticas, legadas pelas revoluções
burguesas, como o voto universal e secreto; o direito de ir e vir; a liberdade
de opinião e de organização; assim como, no campo jurídico, a premissa de que
cabe a quem acusa o ônus da prova; ninguém é considerado culpado até prova em
contrário; ninguém deve ser preso senão por ordem judicial ou flagrante delito;
ninguém deve permanecer preso sem culpa formada, e outras tantas conquistas,
foram plenamente revogadas e isso tem um nome, totalitarismo, ou melhor,
fascismo, e ele veio se dar justamente onde se pretendia ter havido uma
revolução socialista. Ora, como nos dizia Rosa Luxemburgo: Pode haver liberdade
política sem socialismo; porém, não pode haver socialismo sem liberdade
política. Isso deixa bem claro que, na URSS, “pátria-mãe do socialismo” não
existiu outra coisa senão o totalitarismo e aqui cabe-nos afirmar que uma
pretendida democracia proletária só existiu em pequenos lapsos de tempo. Regra
geral, o que se viu e o que se vê é o exercício político do totalitarismo, a
negação completa da democracia.
Assim
sendo, para infelicidade nossa só temos a democracia burguesa, pois inexiste a
democracia proletária, seja nos países indevidamente ditos socialistas, seja
nos partidos e movimentos que se autoproclamam “marxistas-leninistas” ou
“marxistas-leninistas-trotskistas”. Os verdadeiros socialistas não se propuseram
em revogar o legado político das revoluções burguesas; se propuseram, sim, a
superar a democracia burguesa, através de um patamar superior que combinasse a
liberdade política com a democracia social. Portanto, é uma aberração se
pretender denunciar a democracia burguesa, contrapondo-a o totalitarismo
representado pelo partido único, o discurso único, a imprensa única e outros
componentes da supressão completa das liberdades.
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