quarta-feira, 11 de junho de 2014

Não dá para enxergar?



Não dá para enxergar?

            A confluência de duas forças contrarrevolucionárias em escala mundial serviu para turvar os nossos olhos, de forma a nos tornar quase completamente cegos. De forma simplificada, poderíamos dizer que essas forças contrarrevolucionárias são, de um lado, o imperialismo, assumindo-se como uma direita explícita e, de outro, o stalinismo como direita travestida de esquerda, ora usando o rótulo de “marxista-leninista” e ora usando o rótulo de “marxista-leninista-trotskista”.
            Dissemos que estávamos colocando a questão de forma simplificada, em razão de que ambas as forças direitistas não são homogêneas. A direita explícita assume diversas facetas: Existe uma extrema direita, uma direita moderada e até uma ala reformista, que se orienta pela máxima: Reformar para conservar.
            Exemplo patente da existência de duas correntes da direita explícita, dá-se nos Estados Unidos quando se tem os “democratas” assumindo um papel “moderador”, atenuado, e uma extrema direita abrigada no Partido Republicano, representada pela facção Tea Party, de feição inequivocamente nazifascista. Enquanto isso, a direita travestida de esquerda apresenta-se em múltiplas roupagens. Tem-se o stalinismo ortodoxo, o kruchevista, o maoísta, o fidelista e, quanto aos trotskistas, há uma gama quase incontável de agrupamentos que se excluem e se agridem mutuamente.
            Em decorrência dessa realidade, criou-se um verdadeiro círculo de aço e ferro impossibilitando o livre debate. A esquerda “maxista-leninista” teve, como matriz de sua formação ou deformação, os manuais produzidos pela famigerada Academia de Ciências da URSS, cujo ponto de partida foi a revogação dos princípios do socialismo revolucionário, a começar pelo princípio da luta de classes, substituída pela presunção de que a contradição maior seria nação opressora versus nação oprimida.
O “marxismo-leninismo-trotskismo” não passou de uma dissidência da Terceira Internacional, porém não se propôs a cumprir uma verdadeira tarefa revolucionária, que consistiria em assumir plenamente a derrota da revolução russa, em denunciar as resoluções do X Congresso do PC Russo, de 1921, e revogar o monolitismo como fator de impedimento do exercício do livre debate.
            Em função desses fatos históricos é que fomos possuídos, regra geral, de uma miopia política próxima da cegueira. Em razão disso é que, para muitos, ou para quase a unanimidade, dos que se reivindicam “marxistas-leninistas” ou “marxistas-leninistas-trotskistas”, não dá para enxergar que, em 1964, não houve o tão proclamado golpe militar. Houve, sim, um golpe contrarrevolucionário, de caráter bonapartista, quando as diversas facções da burguesia colocam as suas diferenças de lado e se propõem a usar o seu braço armado para evitar a evolução de um processo revolucionário batendo às suas portas. Por sua vez, mais descabido ainda é denominar o estado de exceção, a ditadura, como ditadura militar.
Essa colocação, ditadura militar, tem por objeto, consciente ou inconscientemente, de esconder o fato de vivermos num país formado por classes e camadas sociais. Dessa maneira, a burguesia fica completamente isenta de responsabilidades diante dos excessos e das truculências praticadas no período ditatorial. Ao invés de se acusar a burguesia como responsável pelas arbitrariedades, pela censura, pela supressão das liberdades democráticas, pelas torturas e por outros vis comportamentos, tudo é debitado aos militares. Esquecem de ver que fizeram fortuna, nos anos de ditadura, vários grupos econômicos, sob a sombra daquele governo de exceção. Para citar uns poucos exemplos, basta lembrarmos da Odebrecht, da Camargo Correia, das Gerdau, do Bradesco..., como grandes afortunados. Mas, sobre eles, não recai nenhuma repulsa popular, não recai nenhuma denúncia; tudo fica por conta dos militares que, a bem da verdade, não amealharam nenhuma fortuna e, depois de cumprido o seu doloroso papel, foram mandados de volta aos quartéis para lá ficarem de prontidão, sempre dispostos a intervirem em todo o momento em que a ordem capitalista for ameaçada.
Quem se presta a apresentar o governo de exceção como ditadura militar? Primeiro, os próprios escribas da burguesia servindo à grande imprensa capitalista. Depois, os inúmeros “cientistas políticos”, que a academia burguesa fornece às carradas e, lamentável, mas muito lamentável mesmo, serviu e tem servido para divulgar essa farsa conceitual, a nossa esquerda “marxista-leninista” e “marxista-leninista-trotskista”.
Digno de risos, senão de tristeza, é vermos que uma facção dos “cientistas políticos”, após 50 anos, “avançou” conceitualmente, afirmando ter havido um golpe civil-militar. É uma tentativa de remendo, pois continua escondendo o caráter de classe do embate havido, em 1964, entre um processo revolucionário ascendente e um ato contrarrevolucionário comandado pela burguesia. É em função dessas e tantas outras distorções conceituais que temos tido sucessivas práticas equivocadas, e elas servem para explicar a sobrevivência de um sistema capitalista exaurido.

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