sexta-feira, 30 de maio de 2014

Ramón Mercader



Ramón Mercader

            Alguns poucos já ouviram falar do sr. Ramón Mercader. Trata-se de um militante do Partido Comunista Espanhol e filho de Eustaquia Maria, também devotada militante da citada agremiação política. Ramón era um convicto. Tinha plena certeza de que Stálin era o legítimo herdeiro de Vladimir Lenin e dirigente maior da “pátria-mãe” do socialismo. A sua convicção levava a crer que, todo aquele oponente ou crítico da URSS, era inimigo do povo, inimigo da causa e, nessa condição, mereceria ser abatido, fosse pela desqualificação, fosse pelo trucidamento moral, fosse pelo cutelo assassino. Pensando assim é que Ramón, com todo orgulho, assumiu a missão “revolucionária” de liquidar, fisicamente, o dissidente Leon Trotsky, então refugiado no México.
Atendendo as ordens da Terceira Internacional Comunista e ao aconselhamento da mãe Eustaquia, ele se deslocou para a cidade do México e buscou aproximação com Trotsky, de forma a lhe permitir que, em determinado momento, pudesse desferir-lhe um golpe mortal, fraturando-lhe o crânio com uma machadinha de quebrar gelo. Preso em flagrante, Ramón foi julgado e condenado a longos anos de reclusão. Não se mostrou abatido; muito pelo contrário, sentia-se orgulhoso de ter prestado um grande serviço à “causa”.
            Com muita frequência, temos repetido que a convicção é bem mais grave do que a mentira, e tem sido ela responsável por muitos desacertos e crimes praticados por pessoas dotadas de boa fé. A convicção do beato conduz pessoas a praticarem atos desvairados, que vão do assassinato à calúnia, à fraude e outros crimes, sem que seus atores sintam-se culpados; afinal, essas ações criminosas servem a um propósito “maior”. Assim sendo é que vamos encontrar inúmeros Ramón Mercader em vários agrupamentos formados, sobejamente, por beatos acríticos.
Não somente no stalinismo ortodoxo, como também entre maoístas, kruchevistas, fidelistas, vamos ter figuras semelhantes ao já citado Ramón Mercader. Os agrupamentos trotskistas não estão isentos de ter seus Mercader prontos a cometerem graves crimes de calúnia, fraude, trucidamento moral, rasteiras e golpes; tudo isso levado a cabo em nome da sagrada e justa “causa”.
            Não é por acaso que tais comportamentos, que têm sua matriz no stalinismo, tornaram-se práticas correntes nas suas mais diversas facções. É em razão desse fato que, há anos, temos repudiado a essa velha “esquerda” que, na verdade, não passa de uma direita travestida, enquanto clamamos por uma outra esquerda, essa, sim, fiel aos princípios do socialismo revolucionário, fiel ao livre debate, honesto e qualificado, e pronta a expurgar todo o lixo presente nas diversas facções “marxistas-leninistas” e “marxistas-leninistas-trotskistas”.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

O martírio e a bravura



O martírio e a bravura

            Os filmes que têm explorado os episódios em tempo de ditadura, particularmente após o seu segundo momento, ou seja, após 1968, prendem-se a revelar o martírio e a bravura dos que, de arma em punho, opuseram-se à ditadura contrarrevolucionária instalada no Brasil. Mostram, com fatos e cenas, o quanto cruéis e sanguinários eram os inimigos. Aliás, esses predicados são próprios dos inimigos, particularmente os de natureza político-ideológica, e não se ativeram apenas ao Brasil. Argentina, Chile, Indonésia, são exemplos gritantes de um alto grau de crueldade.
            Além de se aterem ao martírio, esses filmes, feitos com tanto esmero, denunciam os fatos da época, ressaltam com justiça, o grande grau de bravura dos militantes que se levantaram contra a ditadura. É inequívoco que a coragem é um dado muito importante para quem se lança ao confronto, mas não é um predicado que se atenha somente aos socialistas. Vamos encontrá-lo em diversos credos, basta que vejamos a bravura dos “homens-bomba” a serviço do fascismo fundamentalista islâmico.
            Livros e películas, publicados fartamente, passam ao largo da questão central, qual seja: mantêm distância da discussão quanto à natureza do golpe perpetrado pelo braço armado da burguesia, os militares. Com o propósito de desconhecer o caráter de classe da luta política e social, os “cientistas políticos”, produzidos às carradas pela academia burguesa, com a conivência da mal informada esquerda direitosa, preferem chamar o episódio de 1964 de golpe militar e, os anos de governo de exceção, de ditadura militar.
Somente após 50 anos é que os acadêmicos e os comentaristas políticos “avançaram” para a denominação de golpe civil-militar, o que é uma impropriedade, uma vez que o ato de força foi uma tomada de posição política, assumida pela burguesia, diante da crescente radicalização do movimento de massa. As forças armadas funcionaram, sob o comando político da burguesia. Tanto isso é verdade que, cumprida a tarefa de afastar o perigo revolucionário, os militares voltaram aos seus quartéis, para lá ficarem no aguardo de nova ordem, no sentido de defender o sistema capitalista a quem eles servem.
Essa análise não foi feita, ficou na superfície, não se atendo à verdade histórica, e isso é lamentável, quando sabemos que contribui para tanto o papel da esquerda direitosa que, há muito, revogou a luta de classes para mergulhar nos estreitos limites de um raivoso antiamericanismo e do antineoliberalismo.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Nada pessoal






Nada pessoal

As diferentes escolas stalinistas produzem severas distorções tanto conceituais quanto de comportamento. Vamos à raiz da questão: quando da vitória da contrarrevolução em escala mundial, na década de vinte do século passado, ocorreu um fato de graves consequências. Depois de uma renhida disputa entre revolução e contrarrevolução, no interior da URSS, esta última conseguiu se consolidar e ocorreu que a URSS, contrarrevolucionária, se autoproclamou a “pátria-mãe” do socialismo e o Partido Comunista russo apresentou-se como legítimo herdeiro da revolução e representante único do povo. A partir dessa falsa premissa, construiu-se o seguinte raciocínio: quem criticasse ou se opusesse aos “senhores da causa socialista” era apontado como agente do inimigo e traidor do “povo”.
Os agrupamentos de matriz stalinista passaram a se considerar como “o povo eleito de Deus” e todos aqueles que se opusessem aos seus interesses eram considerados infiéis e, por isso, mereceriam ser abatidos a ferro e fogo. Os dissidentes não eram considerados adversários e, sim, ferrenhos inimigos. Essa cultura, nascida no seio da revolução russa derrotada, foi cultivada abusivamente por todos esses últimos noventa anos e essa prática é corriqueira entre as agremiações stalinistas, sejam elas ortodoxas ou maoísta, fidelista, kruchevista e, sobretudo, trotskista.
Não compreendem os mais devotados e fiéis seguidores dessas seitas que as críticas apontadas contra o stalinismo e as que são feitas em relação aos fatos históricos nada têm de pessoal. Não compreendem que, do ponto de vista pessoal, reconhecemos pessoas de boa fé entre os que seguem os mais diversos credos. Reconhecemos que a legião de seguidores da Igreja Universal é povoada, maciçamente, por gente possuída de indiscutíveis boas intensões. Dessa mesma forma, atribuímos qualidades morais aos beatos acríticos que se contentam com o carimbo do “marxismo-leninismo” e do “marxismo-leninismo-trotskismo”. Portanto, as críticas feitas não têm nenhum caráter pessoal e nos entristece o fato de que alguns companheiros dessa presumida esquerda, não entendam as coisas dessa forma e tenham um tratamento hostil, quando não evidentemente mal educado, no trato com os que pensam diferente.
Essa conduta, eivada de intolerância, prejudica o livre debate e, consequentemente, a elucidação dos “enigmas” políticos e históricos. Seria de bom grado uma mudança radical desse comportamento e, ao invés do rancor, da fúria, houvesse o propósito de submeter os conceitos à discussão, de forma livre e fraterna.
É evidente que, enquanto a grande massa dos credos é formada por pessoas bem intencionadas, existe uma ínfima minoria que deve ser denunciada em função do seu caráter desonesto e oportunista. Por exemplo: a distorção havida na Terceira Internacional, quando esse organismo político foi transformado na grande multinacional da contrarrevolução, por trás disso existiam aqueles que, conscientemente, sacrificavam os interesses do socialismo em função dos interesses mesquinhos do capitalismo de Estado que se processava na URSS, e tudo isso era e continua sendo feito em nome do “marxismo-leninismo”.
Quanto ao trotskismo, ele se restringiu em ser uma dissidência da Terceira Internacional. Entretanto, encampou todos os elementos do stalinismo. Não reconheceu a derrota, não denunciou com a devida veemência as resoluções do X Congresso do PC russo, de 1921, não se opôs ao monolitismo e não teve, como não tem, pejo em praticar a calúnia e outros expedientes desprezíveis no processo de suas disputas políticas.
Enfim, vale dizer que todas essas questões não podem ser vistas como de ordem pessoal e, sim, como estritamente de caráter político-ideológico e sempre sujeitas a contestações. Somente por essa via haveremos de ter uma outra esquerda provida do conhecimento e de uma prática que se preste a colaborar efetivamente com o processo revolucionário e não o que sempre se fez, ou seja, tudo que contribuiu e contribui para a sobrevivência do capitalismo, hoje gozando de uma suprema liderança política sobre o mundo, embora vivendo sucessivas crises de caráter econômico e financeiro.